quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Sobre amar à distância

Desde pequena aprendi sobre a distância. Me tiraram da minha Bahia pra me levar pro lugar mais longe possível do mapa. Me tiraram muitas coisas, mas a que mais me doía era a distância da minha família. Eu só tinha quatro anos, mas lembro nitidamente dos natais, seguidos dos finais de ano, o último dia de carnaval e do chororô de lei no aeroporto. Uma vez, amarrei uma fitinha rosa do Senhor do Bonfim assim que cheguei em Salvador, era abril e eu ia passar meu aniversário na casa da minha avó, lembro até da roupa que usei e de como a mesa estava arrumada, mal eu sabia que seria o único desde que eu vim pra Roraima. No último dia da viagem, enquanto eu tomava banho pra ir pro aeroporto, arrancava desesperadamente a fitinha com o dente, na esperança boba de criança que tinha pedido pra não voltar, pra que algum milagre acontecesse que fizesse com que não fosse pra longe dos meus. Mas não deu certo, e eu fui e voltei tantas vezes. Aprendi a amar o lugar que a vida escolheu pra mim. O tempo foi passando e eu vi muita gente ir e vir. Minhas melhores amigas da infância foram estudar fora, uma amiga foi pros States e nunca voltou, outra foi pra Colômbia, outra continuou morando no mesmo bairro que eu, mas às vezes as voltas que a vida dá deixam a gente tão distante mesmo tão perto. E assim eu aprendi um viver de saudade e um amar de distância. Talvez por essas indas e vindas, encontros e reencontros, minha memória tenha sido tão bem treinada pra gravar cores e imagens, brisas e cheiros, temperos e sabores, lugares em cartões postais, memórias e meus amores. Como o cheiro do vento quando bate nas amendoeiras de Itaparica e do sorvete de manga da casa de veraneio de minha avó. O cheiro da moqueca no fogo... O cheiro do mar batendo na varanda de Vilas, o cheiro da pele da minha outra avó. O cheiro do beijo da minha dinda, e como é deitar no colo de minhas primas-irmãs. Como é familiar vendo minha tia Livinha beber um café e rir comigo me chamando de Liliu. Como quando fui visitar minha amiga na Colômbia e sua família gargalhava em español, e o gosto da arepa. E de pequena me lembro correndo na beira do Igarapé cristalino da água boa, e como aquela criançada não tinha medo de nada. Do meu melhor amigo Nicinho que me deixou sem os conselhos masculinos pra cursar publicidade e surfar nas ondas de Natal. Das tardes baseadas em reggae até o pôr-rosa-do-sol. Do Marcelo Veloso e a gargalhada de cada minuto quando tô com ele, por que o cara só quer saber de ficar andarilhando pelo mundo e guardando tralha. De Curitiba eu sei mais nomes de ruas do que daqui de Boa Vista, lembro do meu vazio e da minha solidão. De cada pessoa incompatível que puxei conversa sobre o tempo, por precisar falar com alguém, lembro das duas garotas de vidas diferentes que se juntaram comigo por muitas saídas e de tanta falta de troca de ideia que hoje ninguém se fala mais. O centro, o frio no rosto e as batidas que eu nunca tinha ouvido antes. E o cheiro do moletom de quem me acolheu e de quem eu fugi. Da minha Pana, e cada detalhe que eu apresentei a ela de Roraima e Venezuela, e noites loucas de um encontro no Paraná. Duas partes da minha alma moram agora em Manaus e o que me resta são contatos cibernéticos, lembranças e pores-do-Sol, de tão pouco tempo que temos quando estamos juntas, o momento fica tão intenso que parece mágico.
Por isso eu aprendi a amar por palavras no telefone, por menos presença e mais declaração. Por aniversários ausentes e presentes recebidos em atraso, por viver algo e lembrar de quem eu queria que estivesse comigo. Daquela velha frase: "Isso é a cara de ..." Talvez por amar em ausência conheci um amor que é mais essência do que toque. Talvez eu esteja sendo apenas poética, mas aprendi a amar cada tiquinho de coisa que deixaram em mim e obter uma certeza de que quando houver um reencontro a intimidade vai estar ali, prontinha pra fazer tudo acontecer como sempre foi. É como se eu tivesse um dispositivo na mente, só de começar a pensar a lembrança vem forte, vem com um olhar, vem nos exatos trejeitos de quem eu recordo, eu podia reconhecer mãos e pés de cada ser que eu amo. E talvez essa minha alma que tem sede de lugares tenha vindo mesmo pra viver de chegadas, encontros e partidas. Quem sabe eu não vim pra aprender a amar de longe, a morrer de despedida e ressucitar de saudade. A acordar pela saudade, a dormir de tanto pensar em saudade, e trabalhar pela vontade de matar essa saudade fixada em mim...

Um comentário:

  1. Você conseguiu traduzir em suas palavras exatamente como me sinto.Amei! Aliás, li todos os textos. Eles são realmente incríveis!

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