terça-feira, 26 de outubro de 2010

"O bom humor faz de tudo tolerável..."


Num é que é.. As pessoas acabam rindo das misérias, fazendo piadas dos desastres, transformam tudo em humor negro, fazendo do ruim da vida um motivo pra gargalhar. Por um momento até que admirei isso nos brasileiros, estão sempre fudidos, mas sempre achando graça dessa fudilância. Mas não é que o povo se conforma, deixa de correr atrás, se conforma com as violências, com a falta de paciência, com a falta de educação, com a corrupção, com as insanidades. Os programas policiais do nordeste sensacionalizam total, e quantas vezes eu mesma não assisti rindo daquela miséria? E quando eu comecei a ficar séria, pensei por várias vezes: porra, tô perdendo a graça de viver, olho pras coisas e acho tudo errado, não dou mais risada, me apaguei pra vida. Louca que nada, só abri o meu olho, porque eu odeio a inércia, eu detesto o conformismo, eu acho que a mudança só parte de quem vê o lado ruim das coisas mesmo, questionar é necessário. A risada é pra equivaler ao pranto de ontem, mas o mundo que eu almejo, tem poucas lágrimas. Descobri que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero...

domingo, 17 de outubro de 2010

Metáfora

Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo-nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora.

Gilberto Gil
_


Para explicar o mundo abstrato, metaforize. Não entender o reflexo do real, porém traduzir o real. O que seriam dos poetas sem a criatividade da metáfora? Acho que foi da necessidade de traduzir os sentimentos que nasceu a metáfora. Explicar por coisas que acontecem do lado de fora, o que se passa aqui dentro, ou pelo menos chegar o mais perto possível. Como mostrar o invisível? É o ornamental do conhecimento, a arte da tradução. Então viva a metáfora, e aos que têm a capacidade de entender o fogo que arde sem se ver...

domingo, 10 de outubro de 2010

As palavras e a Lua.


Um monge aproximou-se de seu mestre - que se encontrava em meditação no pátio do Templo à luz da lua - com uma grande dúvida:

"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os Sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"

O velho sábio respondeu:" As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."

O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?"

"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio."

"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"

"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."

O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.


Tam Hyuen Van

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Viva à lua, e às palavras.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Refutando a libertinagem, pelos olhos de um cão


Passam os vira-latas de rua na frente aqui de casa, e meus filhos (cachorros), ficam tão ouriçados. Hoje parei pra reparar nisso, eles do portão, olhando aquele vira-lata com a sagacidade da rua, andando bem livre, cheirando tudo ao redor, mijando em qualquer poste. E me questionei se não seria muita arbitrariedade querer engaiolar em um terreno os animais, se eu estaria sendo injusta com meus amores. Resolvi deixar Nick do lado de fora, pra ver até onde ele ia, nem atravessou a rua, o medroso, e chorou querendo entrar de volta. Eu teria deixado ele bobo?
Aí que voltando agora caminhando, vi o preço da liberdade nos olhos de um cão. Aquele olhar me parecia triste, solitário, me pedindo um afago que fosse. Vale ser livre, e não ter um dono pra brincar com você? Que te dê carinho. Que fique falando que nem criança quando chega perto de você (eu falo assim com meus filhos, e daí?). Vale conhecer o mundo afora e não ter um aconchego, um porto seguro? Os olhos daquela criaturinha me disseram que não vale não.
Lembrei de uma teoria de Mauss sobre presentes, e que ele toma os presentes como princípios da relação. Dar, receber e retribuir. Claro, que você pode não dar, não receber de bom grado, e não retribuir, mas isso gera conseqüências. Ora, se é tão bom dar, receber e retribuir, porque não o fazemos isso em todas as relações sociais, o mundo seria tão melhor. Simples. É só ter gosto em dar, receber e retribuir. Eu vestia a camisa da liberdade, e a tinha como filosofia, questionava tudo que achasse arbitrário, PORQUE QUEREM ME OBRIGAR A FAZER (OU NÃO FAZER) TAL COISA, e por birra ia lá e fazia (ou não fazia). E não é que eu acabava às vezes não dando, nem recebendo com entusiasmo, ou não retribuindo. Aquela velha sede de quebrar as regras, as leis, pregar o anarquismo (sem mesmo conhecer os princípios políticos de tal ideologia), fazer parte dos seres “livres”. Livres mesmo, ou escravos de ideologias sem fins para o bem comum? Detentos do consumo da fuga.
Gente que tem o medo das relações amorosas, por não saber dar, receber e retribuir. Os fugitivos da satisfação de outrem. O egoísmo de não se adaptar aos costumes de alguém. E eu que pensava que ia ser da filosofia de vida Liberté pra toda a vida, agradeço por ter a quem satisfazer, por ter casa e por ter mãe, pelos laços formados e firmados a cada presente. É que eu olhei nos olhos daquele cãozinho arruaceiro e me identifiquei de cara. Por quantas noites me senti tão solitária, sem ter com quem conversar besteira, e contar minhas fantasias. Por quantas noites minha trilha sonora foi Lágrimas e Chuva do Kid Abelha. E todas aquelas esquinas do mundo que eu conheci nunca me preencheram. E todos aqueles companheiros da ideologia libertina nunca me ligaram. E eu realmente tantas vezes gozei da sensação de não ter que dar satisfações pra ninguém. Mas os cachorros de rua conhecem todos os cantos, e praticam o sexo no meio da rua, não têm dono, nem ficam trancados num terreno, mas dormem com olhar de abandonados os livres cachorros de rua.