sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Refutando a libertinagem, pelos olhos de um cão


Passam os vira-latas de rua na frente aqui de casa, e meus filhos (cachorros), ficam tão ouriçados. Hoje parei pra reparar nisso, eles do portão, olhando aquele vira-lata com a sagacidade da rua, andando bem livre, cheirando tudo ao redor, mijando em qualquer poste. E me questionei se não seria muita arbitrariedade querer engaiolar em um terreno os animais, se eu estaria sendo injusta com meus amores. Resolvi deixar Nick do lado de fora, pra ver até onde ele ia, nem atravessou a rua, o medroso, e chorou querendo entrar de volta. Eu teria deixado ele bobo?
Aí que voltando agora caminhando, vi o preço da liberdade nos olhos de um cão. Aquele olhar me parecia triste, solitário, me pedindo um afago que fosse. Vale ser livre, e não ter um dono pra brincar com você? Que te dê carinho. Que fique falando que nem criança quando chega perto de você (eu falo assim com meus filhos, e daí?). Vale conhecer o mundo afora e não ter um aconchego, um porto seguro? Os olhos daquela criaturinha me disseram que não vale não.
Lembrei de uma teoria de Mauss sobre presentes, e que ele toma os presentes como princípios da relação. Dar, receber e retribuir. Claro, que você pode não dar, não receber de bom grado, e não retribuir, mas isso gera conseqüências. Ora, se é tão bom dar, receber e retribuir, porque não o fazemos isso em todas as relações sociais, o mundo seria tão melhor. Simples. É só ter gosto em dar, receber e retribuir. Eu vestia a camisa da liberdade, e a tinha como filosofia, questionava tudo que achasse arbitrário, PORQUE QUEREM ME OBRIGAR A FAZER (OU NÃO FAZER) TAL COISA, e por birra ia lá e fazia (ou não fazia). E não é que eu acabava às vezes não dando, nem recebendo com entusiasmo, ou não retribuindo. Aquela velha sede de quebrar as regras, as leis, pregar o anarquismo (sem mesmo conhecer os princípios políticos de tal ideologia), fazer parte dos seres “livres”. Livres mesmo, ou escravos de ideologias sem fins para o bem comum? Detentos do consumo da fuga.
Gente que tem o medo das relações amorosas, por não saber dar, receber e retribuir. Os fugitivos da satisfação de outrem. O egoísmo de não se adaptar aos costumes de alguém. E eu que pensava que ia ser da filosofia de vida Liberté pra toda a vida, agradeço por ter a quem satisfazer, por ter casa e por ter mãe, pelos laços formados e firmados a cada presente. É que eu olhei nos olhos daquele cãozinho arruaceiro e me identifiquei de cara. Por quantas noites me senti tão solitária, sem ter com quem conversar besteira, e contar minhas fantasias. Por quantas noites minha trilha sonora foi Lágrimas e Chuva do Kid Abelha. E todas aquelas esquinas do mundo que eu conheci nunca me preencheram. E todos aqueles companheiros da ideologia libertina nunca me ligaram. E eu realmente tantas vezes gozei da sensação de não ter que dar satisfações pra ninguém. Mas os cachorros de rua conhecem todos os cantos, e praticam o sexo no meio da rua, não têm dono, nem ficam trancados num terreno, mas dormem com olhar de abandonados os livres cachorros de rua.

Um comentário:

  1. Estou CHO-CA-DA com a qualidade do texto. Jogarei todas as revistas no lixo e a partir de hoje só lerei frenzisses! Hahaha =)

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